
O que muda em nossas vidas se olharmos para as outras pessoas não apenas como quem deve satisfazer nossas expectativas, mas como alguém com um valor em si, possível de ser reconhecido e apreciado em alguma medida?
O “outro” pode ser tanto ameaça constante, uma presença neutra, ou fonte de contentamento. Até que ponto nossa percepção de quem está ao nosso redor molda quem somos? Sabemos digerir a multiplicidade dos seres que dividem a existência conosco?
Seja com pessoas próximas ou desconhecidas, o que imaginamos, esperamos, buscamos e expressamos para os demais alimenta a nossa própria existência.
A antropologia, ou o estudo dos seres humanos, pode nos levar à compreensão simbólica e prática do que nos constitui como espécie, não para eliminar as nossas diferenças e fronteiras, mas para sentir com todos os poros como é possível, para cada um de nós, construir espaços de integridade em nossas relações.
Nossas relações são os caminhos que trilhamos, nossa miséria e nossa abundância. O outro é a terra que dispomos e compartilhamos, não para ser explorada, mas para reconhecer, modelar nossos corpos e encontrar as possibilidades para nos movermos. Assim construímos nossas singularidades e nos transforamos diariamente.
Na pintura “reimaginar as relações eu-outro”, busquei experimentar no contraste entre as cores e formas os movimentos disponíveis entre nós e aqueles que nos margeiam e penetram. Somos seres em fluxos experimentando contatos, barreiras, caminhos de aproximação, frestas. Seres inteiros que também se emaranham, se encontram e estranham uns nos outros.

Da energia dedicada para sustentar uma vivência em rede, para cada pessoa com a qual interagimos, sentimos o impacto de sua presença e o que ela nos traz. Porém, as impressões que elas nos deixam vão mudar, se mudamos de posição e percepção sobre a existência.
Nessa expressão há um pedido: transformar as antigas possibilidades de contato-relação e deixar que novas maneiras de seguir em companhia possam surgir, com as cores e elementos que dispomos. Nos territórios de terras mais brutas, há passagem de água para drenar nossos medos e remodelar quem somos. Pois a nossa distinção com as outras pessoas nunca é total – nossas fronteiras nos fazem enxergar também interseções e esforços conjuntos.
Proponho, então, como exercício reflexivo:
Como tu imaginas e percebes cada ser que te circunda e te forma?
Quais imagens já estão desgastadas, mexidas por demais, e pedem uma nova perspectiva?
Este é um convite para que possamos nos ouvir em silêncio e afinar nossas vozes para reimaginar nossas relações eu-outro nos tempos em que vivemos. Que essa reflexão gere um campo fértil de expressões dos seres livres que podemos ser.