Textos

Breves palavras sobre guerras

10/11/2023 | Publicado em Reflexões
Pensamento Mudo, Lygia Clark, 1966.

Quais recursos estamos utilizando para enxergar a si e a quem está diante da gente? O que de nossos corpos, o que de nosso interior, o que dos objetos disponíveis ao nosso redor?

Uma guerra pode fazer sentido para alguém individualmente. Mas existem camadas conjuntas de sentidos que denunciam a vida em segregação.  Essas camadas, ou os pontos de contato entre o que conheço e o que é absurdo, justamente por parecerem inatingíveis, pedem para ser tecidas, observadas e experienciadas. Para viver, talvez seja necessário cavar em busca de espaços além do que já temos familiaridade. 

Uma vez identificadas as tensões entre o que é “meu” e o que é dos “outros”, esses pontos de contato pedem para ser compreendidos e recontextualizados com nossas histórias individuais e coletivas.

As mudanças de perspectiva ocorrem a cada dia, hora, minuto, de maneira veloz, como as bombas que explodem. Elas pedem silêncio e necessidade de ação. Na guerra, e são muitas em curso hoje, o “radicalmente outro” ganha corpo. Como se a existência de um, de repente, não tivesse nenhum tipo de ligação com quem está do outro lado. Qualquer fresta possível pode ser uma oportunidade de romper tudo, ou também de um encontro radical, ao encarar de frente o que não quero que exista. Até que desse ato de presença seja sentida alguma diferença tolerável, algum ponto de interação viável em que possamos sustentar uma existência conjunta na terra.

Na ausência de memórias sobre o valor de coexistir, nos perguntamos o que nos faz sentir o gosto de amar novamente? Para a falta de respostas, para a tristeza da dor e a dor da tristeza, acredito que a esperança no valor de cada ser, qualquer que seja a nossa lembrança dessa verdade, é o que pode nos mover.

Talvez, as memórias de amor venham de um lugar em nós que diz: nem “eu” nem “outro” vem primeiro, apenas o reconhecimento dessas duas instâncias como vivas.

Na obra “Pensamento Mudo”, 1966, Lygia Clark nos lembra da importância do silêncio e dos gestos, sem interferência de nenhum objeto, para podermos enxergar e nos colocar com mais clareza nas relações, na vida.

Com essas palavras e imagens, proponho a reflexão: o que mobilizamos em nós quando buscamos enxergar o outro? Quais gestos determinam nossa experiencia? Através deles, restringimos ou ampliamos nossas possibilidades de ver com clareza?