Textos

Quanto posso?

02/06/2022 | Publicado em Reflexões

Primeiro, pesa. Depois vem a pergunta que vai circulando, de dentro da alma, quase como alguém que nos dá a mão: “quanto posso?”

Nas reflexões sobre as tragédias com as chuvas na Região Metropolitana de Recife em maio 2022 – que poderiam em grande parte ser evitadas –, hoje acordei com tantas recordações do início da pandemia. O sentimento de que sempre ocorreram situações-limite de descaso com o bem-estar coletivo, mas agora, como na pandemia, ninguém sai ileso – ou pelo menos fica mais difícil sair. O caos ficou grande, a natureza se apresenta, o descaso gera dor; não sei se estamos mais conscientes ou se a realidade intensificou seus contrastes, mas o que vem acontecendo convida a se mexer mais e mais em direção ao outro (na encosta, na porta, aqui dentro).

Mas, o que exatamente e o quanto a gente faz?
Essa pergunta pertence ao coração de cada ser; olhando pra mim, tive vontade de trazer algumas palavras sobre isso – talvez essa seja uma das minhas formas de contribuir.

Depois de algumas mobilizações no fim de semana (nada tão grandioso diante do que todos estão fazendo), senti meu corpo cansado… tentava me localizar, localizar meu próprio corpo-ser em meio a uma cidade chorando. Enquanto começava (também) a dar suporte a mim mesma para que pudesse ser mais útil para as outras pessoas, meu filho (3 anos) estava cantarolando “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga.

Não foi a primeira vez que ele ouviu Gonzagão (já é fã de “A vida do viajante”), mas, domingo, o avô colocou Asa Branca pra ele ouvir e a música não saiu da cabeça. Mesmo sem ter noção, ainda, do que está ocorrendo, fomos dormir e acordamos com Francisco cantarolando: “Eu perguntei a Deus do céu, ai, porque tamanha judiação?” Ele estava, justo agora, obstinado a aprender a letra toda. Mesmo sabendo que nos primeiros anos de vida a criança capta o (in)consciente da mãe e do pai, é surpreendente sentir que ele já participa do momento em que estamos vivendo, formando sua própria alma de pessoa nordestina.

Ouvindo e cantando “Quando olhei a terra ardendo…” me peguei chorando e lembrei que essa música me faz triste o tanto que me faz feliz. Lembrei que ela fala da dor e da força transcendental de nossa gente.

Meu choro, nesse momento, é de uma mistura de sentimentos herdados pela seca e pela cheia que ainda nos invadem na falta de estrutura para conte-las. Precisamos, além de cobrar do governo, assumir essa fragilidade coletiva – que contrasta com nossa força – e ter coragem para investigar as maneiras que cada um tem de contribuir efetivamente para saber drenar nossas á g u a s da maneira mais sábia possível.

Esse texto é um lembrete de que o choro da Asa Branca pode se transformar dentro da gente: nós temos essa bravura. Não vamos perder a oportunidade de fazer fluir mais livremente o que liga a todos nós.

No exercício do “quanto posso”, ouçamos os sons e as músicas que nos fazem conectar com as pessoas e seguirmos juntas verdadeiramente, com gestos do tamanho de nossas mãos; as grandes soluções talvez nasçam dessa presença pulsante, da paz do encontro.

Com amor,

Mônica